Teatro de Machado de Assis

(O caminho da porta; O protocolo)

 


 

Texto-fonte:

Teatro de Machado de Assis, org. de João Roberto Faria,

São Paulo: Martins Fontes, 2003.

 

Publicada originalmente Teatro de Machado de Assis v.I, Rio de Janeiro, Tipografia do Diário do RJ, 1863.

 

Encenadas pela primeira vez no Ateneu Dramático do Rio de Janeiro,

em setembro e novembro de 1862, respectivamente.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CARTA A QUINTINO BOCAIÚVA*

 

 

Meu amigo,

 

Vou publicar as minhas duas comédias de estréia; e não quero fazê-lo sem conselho da tua competência.

 

Já uma crítica benévola e carinhosa, em que tomaste parte, consagrou a estas duas composições palavras de louvor e animação.

 

Sou imensamente reconhecido, por tal, aos meus colegas da imprensa.

 

Mas o que recebeu na cena o batismo do aplauso pode, sem inconveniente, ser trasladado para o papel? A diferença entre os dois meios de publicação não modifica o juízo, não altera o valor da obra?

 

É para a solução destas dúvidas que recorro à tua autoridade literária.

 

O juízo da imprensa viu nestas duas comédias — simples tentativas de autor tímido e receoso. Se a minha afirmação não envolve suspeita de vaidade disfarçada e mal cabida, declaro que nenhuma outra solução leva nesses trabalhos. Tenho o teatro por coisa muito séria, e as minhas forças por coisa muito insuficiente; penso que as qualidades necessárias ao autor dramático desenvolvem-se e apuram-se com o tempo e o trabalho; cuido que é melhor tatear para achar; é o que procurei e procuro fazer.

 

Caminhar destes simples grupos de cenas — à comédia de maior alcance, onde o estudo dos caracteres seja consciencioso e acurado, onde a observação da sociedade se case ao conhecimento prático das condições do gênero — eis uma ambição própria de ânimo juvenil, e que eu tenho a imodéstia de confessar.

 

E, tão certo estou da magnitude da conquista, que me não dissimulo o longo estádio que há percorrer para alcançá-la. E mais. Tão difícil me parece este gênero literário, que, sob as dificuldades aparentes, se me afigura que outras haverá menos superáveis e tão sutis, que ainda as não posso ver.

 

Até onde vai a ilusão dos meus desejos? Confio demasiado na minha perseverança? Eis o que espero saber de ti.

 

E dirijo-me a ti, entre outras razões, por mais duas, que me parecem excelente: razão de estima literária e razão de estima pessoal. Em respeito à tua modéstia, calo o que te devo de admiração e reconhecimento.

 

O que nos honra, a mim e a ti, é que a tua imparcialidade e a minha submissão ficam salvas da mínima suspeita. Serás justo e eu dócil; terá ainda por isso o meu reconhecimento; e eu escapo a esta terrível sentença de um escritor: "Les amitiés qui ne résistent pas à la franchise, valent-elles un regret?"

 

Teu amigo e colega,

 

                         Machado de Assis.

 

 

 

CARTA AO AUTOR

 

 

Machado de Assis,

 

Respondo à tua carta. Pouco preciso dizer-te. Fazes bem em dar ao prelo os teus primeiros ensaios dramáticos. Fazes bem, porque essa publicação envolve uma promessa e acarreta sobre ti uma responsabilidade para com o público. E o público tem o direito de ser exigente contigo. É moço, e foste dotado pela Providência com um belo talento. Ora, o talento é uma arma divina que Deus concede aos homens para que estes a empreguem no melhor serviço dos seus semelhantes. A idéia é uma força. Inoculá-la no seio das massas é inocular-lhe o sangue puro da regeneração moral. O homem que se civiliza, cristianiza-se. Quem se ilustra, edifica-se. Porque a luz que nos esclarece a razão é a que nos alumiam a consciência. Quem aspira a ser grande, não pode deixar de aspirar a ser bom. A virtude é a primeira grandeza deste mundo. O grande homem é o homem de bem. Repito, pois, nessa obra de cultivo literário há uma obra de edificação moral.

 

Das muitas e variadas formas literárias que existem e que se prestam ao conseguimento desse fim escolheste a forma dramática. Acertaste. O drama é a forma mais popular, a que mais se nivela com a alma do povo, a que mais recursos possui para atuar sobre o seu espírito, a que mais facilmente o comove e exalta; em resumo, a que tem meios mais poderosos para influir sobre o seu coração.

 

Quando assim me exprimo, é claro que me refiro às tuas comédias, aceitando-as como elas devem ser aceitas por mim e por todos, isto é, como um ensaio, como uma experiência, e, se podes admitir a frase, como uma ginástica de estilo.

 

A minha franqueza e a lealdade que devo à estima que me confessas obrigam-me a dizer-te em público o que já te disse em particular. As tuas duas comédias, modeladas ao gosto dos provérbios franceses, não revelam nada mais do que a maravilhosa aptidão do teu espírito, a profusa riqueza do teu estilo. Não inspiram nada mais do que simpatia e consideração por um talento que se amaneira a todas as formas da concepção.

 

Como lhes falta a idéia, falta-lhes a base. São belas, porque são bem escritas. São valiosas, como artefatos literários, mas até onde a minha vaidosa presunção crítica pode ser tolerada, devo declarar-te que elas são frias e insensíveis, como todo o sujeito sem alma.

 

Debaixo deste ponto de vista, e respondendo a uma interrogação direta que me diriges, devo dizer-te que havia mais perigo em apresentá-las ao público sobre a rampa da cena do que há em oferecê-las à leitura calma e refletida. O que no teatro podia servir de obstáculo à apreciação da tua obra, favorece-a no gabinete. As tuas comédias são para serem lidas e não representadas. Como elas são um brinco de espírito podem distrair o espírito. Como não têm coração não podem pretender sensibilizar a ninguém. Tu mesmo assim as consideras, e reconhecer isso é dar prova de bom critério consigo mesmo, qualidade rara de encontrar-se entre os autores.

 

O que desejo o que te peço, é que apresente nesse mesmo gênero algum trabalho mais sério, mais novo, mais original e mais completo. Já fizeste esboços, atira-te à grande pintura.

 

Posso garantir-te que conquistarás aplausos mais convencidos e mais duradouros.

 

Em todo caso, repito-te que fazes bem. Sujeita-te à crítica de todos, para que possas corrigir-te a ti mesmo. Como te mostras despretensioso, colherás o fruto são da tua modéstia não fingida. Pela minha parte estou sempre disposto a acompanhar-te, retribuindo-te em simpatia toda a consideração que me impõe a tua jovem e vigorosa inteligência.

 

Teu

                 Q. Bocaiúva.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O CAMINHO DA PORTA

Comédia em um ato

 

Representada pela primeira vez no Ateneu Dramático do Rio de Janeiro em setembro de 1862.

 

 

 

 

PERSONAGENS

 

DOUTOR CORNÉLIO

VALENTIM

INOCÊNCIO

CARLOTA

 

 

 

 

Atualidade.

Em casa de Carlota

(Sala elegante. — Duas portas no fundo, portas laterais, consolos, piano, divã, poltronas, cadeiras, mesa, tapete, espelhos, quadros; figuras sobre os consolos; álbum, alguns livros, lápis, etc. sobre a mesa.)

 

 

 

Cena I

 

VALENTIM (assentado à esquerda alta); o DOUTOR (entrando)

 

VALENTIM

 

Ah! És tu?

 

DOUTOR

 

Oh! Hoje é o dia das surpresas. Acordo, leio os jornais e vejo anunciado para hoje o Trovador. Primeira surpresa. Lembro-me de passar por aqui para saber se D. Carlota queria ir ouvir a ópera de Verdi, e vinha pensando na triste figura que devia fazer em casa de uma moça do tom às 10 horas da manhã quando te encontro firme como uma sentinela no posto. Duas surpresas.

 

VALENTIM

 

A triste figura sou eu?

 

DOUTOR

 

Acertaste. Lúcido como uma sibila. Fazes uma triste figura, não te deve ocultar.

 

VALENTIM

(irônico)

 

Ah!

 

DOUTOR

 

Tens ar de não dar crédito ao que digo! Pois olha, tens diante de ti a verdade em pessoa, com a diferença de não sair de um poço, mas da cama, e de vir em traje menos primitivo. Quanto ao espelho, se o não trago comigo, há nesta sala um que nos serve com a mesma sinceridade. Mira-te ali. Estás ou não uma triste figura?

 

VALENTIM

 

Não me aborreças.

 

DOUTOR

 

Confessas então?

 

VALENTIM

 

És divertido como os teus protestos de virtuoso! Aposto que me queres fazer crer no desinteresse das tuas visitas a D. Carlota?

 

DOUTOR

 

Não.

 

VALENTIM

 

Ah!

 

DOUTOR

 

Sou hoje mais assíduo do que era há um mês, e a razão é que há um mês que começaste a fazer-lhe corte.

 

VALENTIM

 

Já sei: não me queres perder de vista.

 

DOUTOR

 

Presumido! Eu sou lá inspetor dessas coisas? Ou antes, sou; mas o sentimento que me leva a estar presente a essa batalha pausada e paciente está muito longe do que pensas; estudo o amor.

 

VALENTIM

 

Somos então os teus compêndios?

 

DOUTOR

 

É verdade.

 

VALENTIM

 

E o que tens aprendido?

 

DOUTOR

 

Descobri que o amor é uma pescaria...

 

VALENTIM

 

Queres saber de uma coisa? Estão prosaicos como os teus libelos.

 

DOUTOR

 

Descobri que o amor é uma pescaria...

 

VALENTIM

 

Vai-te com os diabos!

 

DOUTOR

 

Descobri que o amor é uma pescaria. O pescador senta-se sobre um penedo, à beira do mar. Tem ao lado uma cesta com iscas; vai pondo uma por uma no anzol, e atira às águas a pérfida linha. Assim gasta horas e dias até que o descuidado filho das águas agarra no anzol, ou não agarra e...

 

VALENTIM

 

És um tolo.

 

DOUTOR

 

Não contesto; pelo interesse que tomo por ti. Realmente dói-me ver-te há tantos dias exposto ao sol, sobre o penedo, com o caniço na mão, a gastar as tuas iscas e a tua saúde quero dizer, a tua honra.

 

VALENTIM

 

A minha honra?

 

DOUTOR

 

A tua honra, sim. Pois para um homem de senso e um tanto sério o ridículo não é uma desonra? Tu estás ridículo. Não há um dia em que não venhas gastar quatro, cinco horas a cercar esta viúva de galanteios e atenções, acreditando talvez tiver adiantado muito, mas estando ainda hoje como quando começaste. Olha, há Penélopes da virtude e Penélopes do galanteio. Umas fazem e desmancham teias por terem muito juízo; outras as fazem e desmancham por não terem nenhum.

 

VALENTIM

 

Não deixas de ter tal ou qual razão.

 

DOUTOR

 

Ora, graças a Deus!

 

VALENTIM

 

Devo, porém prevenir-te de uma coisa: é que ponho nesta conquista a minha honra. Jurei aos meus deuses casar-me com ela e hei de manter o meu juramento.

 

DOUTOR

 

Virtuoso romano!

 

VALENTIM

 

Faço o papel de Sísifo. Rolo a minha pedra pela montanha; quase a chegar com ela ao cimo, uma mão invisível fá-la despenhar de novo, e aí volto a repetir o mesmo trabalho. Se isto é um infortúnio, não deixa de ser uma virtude.

 

DOUTOR

 

A virtude da paciência. Empregavas melhor essa virtude em fazer palitos do que em fazer a roda a esta namoradeira. Sabes o que aconteceu aos companheiros de Ulisses passando pela ilha de Circe? Ficaram transformados em porcos. Melhor sorte teve Actéon que por espreitar Diana no banho passou de homem a veado. Prova evidente de que é melhor pilhá-las no banho do que lhes andar a roda nos tapetes da sala.

 

VALENTIM

 

Passas de prosaico a cínico.

 

DOUTOR

 

É uma modificação. Tu estás sempre o mesmo ridículo.

 

 

 

Cena II

 

OS MESMOS, INOCÊNCIO (trazido por um criado)

 

INOCÊNCIO

 

Oh!

 

DOUTOR

(baixo a Valentim)

 

Chega o teu competidor.

 

VALENTIM

(baixo)

 

Não me vexes.

 

INOCÊNCIO

 

Meus senhores! Já por cá? Madrugaram hoje!

 

DOUTOR

 

É verdade. E V. S.?

 

INOCÊNCIO

 

Como está vendo. Levanto-me sempre com o sol.

 

DOUTOR

 

Se V. S. é outro.

 

INOCÊNCIO

(não compreendendo)

 

Outro quê? Ah! Outro sol! Este doutor tem umas expressões tão... fora do vulgar! Ora veja; a mim ainda ninguém se lembrou de dizer isto. Sr. Doutor, V. S. há de tratar de um negócio que trago pendente no foro. Quem fala assim é capaz de seduzir a própria lei!

 

DOUTOR

 

Obrigado!

 

INOCÊNCIO

 

Onde está a encantadora D. Carlota? Trago-lhe este ramalhete que eu próprio colhi e arranjei. Olhem como estas flores estão bem combinadas: rosas, paixão; açucenas, candura. Que tal?

 

DOUTOR

 

Engenhoso!

 

INOCÊNCIO

(dando-lhe o braço)

 

Agora ouça, Sr. Doutor. Decorei umas quatro palavras para dizer ao entregar-lhe estas flores. Veja se condizem com o assunto.

 

DOUTOR

 

Sou todo ouvidos.

 

INOCÊNCIO

 

"Estas flores são um presente que a primavera faz à sua irmã por intermédio do mais ardente admirador de ambas." Que tal?

 

DOUTOR

 

Sublime! (Inocêncio ri-se à socapa) Não é da mesma opinião?

 

INOCÊNCIO

 

Pudera não ser sublime: se eu próprio copiei isto de um Secretário dos Amantes!

 

DOUTOR

 

Ah!

 

VALENTIM

(baixo ao Doutor)

 

Gabo-te a paciência!

 

DOUTOR

(dando-lhe o braço)

 

Pois que tem! É miraculosamente tolo. Não é da mesma espécie que tu...

 

VALENTIM

 

Cornélio!

 

DOUTOR

 

Descansa; é de outra muito pior.

 

 

 

Cena III

 

OS MESMOS, CARLOTA

 

CARLOTA

 

Perdão, meus senhores, de havê-los feito esperar... (distribui apertos de mão)

 

VALENTIM

 

Nós é que lhe pedimos desculpa de havermos madrugado deste modo...

 

DOUTOR

 

A mim, traz-me um motivo justificável.

 

CARLOTA

(rindo)

 

Ver-me? (vai sentar-se)

 

DOUTOR

 

Não.

 

CARLOTA

 

Não é um motivo justificável, esse?

 

DOUTOR

 

Sem dúvida; incomodá-la é que o não é. Ah! Minha senhora, eu aprecio mais do que nenhum outro o despeito que deve causar a uma moça uma interrupção no serviço da toilette. Creio que é coisa tão séria como uma quebra de relações diplomáticas.

 

CARLOTA

 

O Sr. Doutor graceja e exagera. Mas qual é esse motivo que justifica a sua entrada em minha casa, há esta hora?

 

DOUTOR

 

Venho receber as suas ordens acerca da representação desta noite.

 

CARLOTA

 

Que representação?

 

DOUTOR

 

Canta-se o Trovador.

 

INOCÊNCIO

 

Bonita peça!

 

DOUTOR

 

Não pensa que deve ir?

 

CARLOTA

 

Sim, e agradeço-lhe a sua amável lembrança. Já sei que vem oferecer-me o seu camarote. Olhe, há de desculpar-me este descuido, mas prometo que vou quanto antes tomar uma assinatura.

 

INOCÊNCIO

(a Valentim)

 

Ando desconfiado do Doutor!

 

VALENTIM

 

Por quê?

 

INOCÊNCIO

 

Veja como ela o trata! Mas eu vou desbancá-lo, com minha frase do Secretário dos Amantes... (indo a Carlota) Minha senhora, estas flores são um presente que a primavera faz à sua irmã...

 

DOUTOR

(completando a frase)

 

Por intermédio do mais ardente admirador de ambas.

 

INOCÊNCIO

 

Sr. Doutor!

 

CARLOTA

 

O que é?

 

INOCÊNCIO

(baixo)

 

Isto não se faz! (a Carlota) Aqui tem minha senhora...

 

CARLOTA

 

Agradecida. Por que se retirou ontem tão cedo? Não lho quis perguntar... de boca; mas creio que o interroguei com o olhar.

 

INOCÊNCIO

(no cúmulo da satisfação)

 

De boca?... Com o olhar?... Ah! Queira perdoar minha senhora... mas um motivo imperioso...

 

DOUTOR

 

Imperioso... não é delicado.

 

CARLOTA

 

Não exijo saber o motivo; supus que se houvesse passado alguma coisa que o desgostasse...

 

INOCÊNCIO

 

Qual, minha senhora; o que se poderia passar? Não estava eu diante de V. Exa. para consolar-me com seus olhares de algum desgosto que houvesse? E não houve nenhum.

 

CARLOTA

(ergue-se e bate-lhe com o leque no ombro)

 

Lisonjeiro!

 

DOUTOR

(descendo entre ambos)

 

V. Exa. há de desculpar-me se interrompo uma espécie de idílio com uma coisa prosaica, ou antes, com outro idílio, de outro gênero, um idílio do estômago; o almoço...

 

CARLOTA

 

Almoça conosco?

 

DOUTOR

 

Oh! Minha senhora, não seria capaz de interrompê-la; peço simplesmente licença para ir almoçar com um desembargador da relação a quem tenho de prestar umas informações.

 

CARLOTA

 

Sinto que na minha perda, ganhe um desembargador; não sabe como odeio a toda essa gente do foro; faço apenas uma exceção.

 

DOUTOR

 

Sou eu.

 

CARLOTA

(sorrindo)

 

É verdade. Donde concluiu?

 

DOUTOR

 

Estou presente!

 

CARLOTA

 

Maldoso!

 

DOUTOR

 

Fica, não, Sr. Inocêncio?

 

INOCÊNCIO

 

Vou. (baixo ao Doutor) Estalo de felicidade!

 

DOUTOR

 

Até logo!

 

INOCÊNCIO

 

Minha senhora!

 

 

 

Cena IV

 

CARLOTA, VALENTIM

 

CARLOTA

 

Ficou?

 

VALENTIM

(indo buscar o chapéu)

 

Se a incomodo...

 

CARLOTA

 

Não. Dá-me prazer até. Ora, por que há de ser tão suscetível a respeito de tudo o que lhe digo?

 

VALENTTM

 

É muita bondade. Como não quer que seja suscetível? Só depois de estarmos a sós é que V. Exa. se lembra de mim. Para um velho gaiteiro acham V. Exa. palavras cheias de bondade e sorrisos cheios de doçura. 

           

CARLOTA

 

Deu-lhe agora essa doença? (vai sentar-se junto à mesa)

 

VALENTIM

(senta-se junto à mesa defronte de Carlota)

 

Oh! Não zombe minha senhora! Estou certo de que os mártires romanos prefeririam a morte rápida à luta com as feras do circo. O seu sarcasmo é uma fera indomável; V. Exa. tem certeza disso e não deixa de lançá-lo em cima de mim.

 

CARLOTA

 

Então sou terrível? Confesso que ainda agora o sei. (uma pausa) Em que cisma?

 

VALENTIM

 

Eu?... em nada!

 

CARLOTA

 

Interessante colóquio!

 

VALENTIM

 

Devo crer que não faço uma figura nobre e séria. Mas não me importa isso! A seu lado eu afronto todos os sarcasmos do mundo. Olhe, eu nem sei o que penso, nem sei o que digo. Ridículo que pareça, sinto-me tão elevado o espírito que chego a supor em mim algum daqueles toques divinos com que a mão dos deuses elevava os mortais e lhes inspirava forças e virtudes fora do comum.

 

CARLOTA

 

Sou eu a deusa...

 

VALENTIM

 

Deusa, como ninguém sonhara nunca; com a graça de Vênus e a majestade de Juno. Sei eu mesmo defini-la? Posso eu dizer em língua humana o que é esta reunião de atrativos únicos feitos pela mão da natureza como uma prova suprema do seu poder? Dou-me por fraco, certo de que nem pincel nem lira poderão fazer mais do que eu.

 

CARLOTA

 

Oh! É demais! Deus me livre de tomá-lo por espelho. Os meus são melhores. Dizem coisas menos agradáveis, porém mais verdadeiras.

 

VALENTIM

 

Os espelhos são obras humanas; imperfeitos, como todas as obras humanas. Que melhor espelho, quer V. Exa., que uma alma ingênua e cândida?

 

CARLOTA

 

Em que corpo encontrarei... esse espelho?

 

VALENTIM

 

No meu.

 

CARLOTA

 

Supõe-se cândido e ingênuo?

 

VALENTIM

 

Não me suponho, sou.

 

CARLOTA

 

É por isso que traz perfumes e palavras que embriagam? Se há candura é em querer fazer-me crer...

 

VALENTIM

 

Oh! Não queira V. Exa. trocar os papéis. Bem sabe que os seus perfumes e as suas palavras é que embriagam. Se eu falo um tanto diversamente do comum é porque falam em mim o entusiasmo e a admiração. Quanto a V. Exa. basta abrir os lábios para deixar cair dele aromas e filtros cujo segredo só a natureza conhece.

 

CARLOTA

 

Estimo antes vê-lo assim. (começa a desenhar distraidamente em um papel)

 

VALENTIM

 

Assim... como?

 

CARLOTA

 

Menos... melancólico.

 

VALENTIM

 

É esse o caminho do seu coração?

 

CARLOTA

 

Queria que eu própria lho indicasse? Seria trair-me, e tirava-lhe a graça e a glória de encontrá-lo por seus próprios esforços.

 

VALENTIM

 

Onde encontrarei um roteiro?...

 

CARLOTA

 

Isso não tinha graça! A glória está em achar o desconhecido depois da luta e do trabalho... Amar e fazer-se amar por um roteiro... oh! Que coisa de mau gosto!

 

VALENTIM

 

Prefiro esta franqueza. Mas V. Exa. deixa-me no meio de uma encruzilhada com quatro ou cinco caminhos diante de mim, sem saber qual hei de tomar. Acha que isto é de coração compassivo?

 

CARLOTA

 

Ora! Siga por um deles, à direita ou à esquerda.

 

VALENTIM

 

Sim, para chegar ao fim e encontrar um muro; voltar, tomar depois por outro...

 

CARLOTA

 

E encontrar outro muro? É possível. Mas a esperança acompanha os homens e com a esperança, neste caso, a curiosidade. Enxugue o suor, descanse um pouco, e volte a procurar o terceiro, o quarto, o quinto caminho, até encontrar o verdadeiro. Suponho que todo o trabalho se compensará com o achado final.

 

VALENTIM

 

Sim. Mas, se depois de tanto esforço for encontrar-me no verdadeiro caminho com algum outro viandante de mais tino e fortuna?

 

CARLOTA

 

Outro?... que outro? Mas... isto é uma simples conversa... O Sr. faz-me dizer coisas que não devo... (cai o lápis ao chão, Valentim apressa-se em apanhá-lo e ajoelha nesse ato).

 

CARLOTA

 

Obrigada. (vendo que ele continua ajoelhado) Mas levante-se!

 

VALENTIM

 

Não seja cruel!

 

CARLOTA

 

Faça o favor de levantar-se!

 

VALENTIM

(levantando-se)

 

É preciso pôr um termo a isto!

 

CARLOTA

(fingindo-se distraída)

 

A isto o quê?

 

VALENTIM

 

V. Exa. é de um sangue-frio de matar!

 

CARLOTA

 

Queria que me fervesse o sangue? Tinha razão para isso. A que propósito fez esta cena de comédia?

 

VALENTIM

 

V. Exa. chama a isto comédia?

 

CARLOTA

 

Alta comédia está entendida. Mas que é isto? Está com lágrimas nos olhos?

 

VALENTIM

 

Eu? ora... ora... Que lembrança!

 

CARLOTA

 

Quer que lhe diga? Está ficando ridículo.

 

VALENTIM

 

Minha senhora!

 

CARLOTA

 

Oh! Ridículo! Ridículo!

 

VALENTIM

 

Tem razão. Não devo parecer outra coisa a seus olhos! O que sou eu para V. Exa.? Um ente vulgar, uma fácil conquista que V. Exa. entretém, ora animando, ora repelindo, sem deixar nunca conceber esperanças fundadas e duradouras. O meu coração virgem deixou-se arrastar. Hoje, se quisesse arrancar de mim este amor, era preciso arrancar com ele a vida. Oh! Não ria que é assim!

 

CARLOTA

 

Sinto que não possa ouvi-lo com interesse.

 

VALENTIM

 

Por que motivo havia de me ouvir com interesse?

 

CARLOTA

 

Não é por ter a alma seca; é por não acreditar nisso.

 

VALENTIM

 

Não acredita?

 

CARLOTA

 

Não.

 

VALENTIM

(esperançoso)

 

E se acreditasse?

 

CARLOTA

(com indiferença)

 

Se acreditasse, acreditava!

 

VALENTIM

 

Oh! É cruel!

 

CARLOTA

(depois de um silêncio)

 

Que é isso? Seja forte! Se não por si, ao menos pela posição esquerda em que me coloca.

 

VALENTIM

(sombrio)

 

Serei forte! Fraco no parecer de alguns... forte no meu... Minha senhora!

 

CARLOTA

(assustada)

 

Aonde vai?

 

VALENTIM

 

Até... minha casa! Adeus! (sai arrebatadamente. Carlota pára estacada; depois vai ao fundo, volta ao meio da cena, vai à direita; entra o Doutor)

 

 

 

Cena V

 

CARLOTA, o DOUTOR

 

DOUTOR

 

Não me dirá minha senhora, o que tem Valentim que passou por mim como um raio, agora, na escada?

 

CARLOTA

 

Eu sei! Ia mandar em procura dele. Disse-me aqui umas palavras ambíguas, estava exaltado, creio que...

 

DOUTOR

 

Que se vai matar?... (correndo pares a porta) Faltava mais esta!... (estaca) Não, não se há de matar!

 

CARLOTA

 

Ah! Por quê?

 

DOUTOR

 

Porque mora longe. No caminho há de refletir e mudar de parecer. Os olhos das damas já perderam o condão de levar um pobre diabo a sepultura; raros casos provam uma diminuta exceção.

 

CARLOTA

 

De que olhos e de que condão me fala?

 

DOUTOR

 

Do condão de seus olhos, minha senhora! Mas que influência é essa que V. Exa. exerce sobre o espírito de quantos se deixam apaixonar por seus encantos? A um inspira a idéia de matar-se; a outro, exalta-o de tal modo, com algumas palavras e um toque de seu leque, que quase chega a ser causa de um ataque apoplético!

 

CARLOTA

 

Está-me falando grego!

 

DOUTOR

 

Quer português, minha senhora? Vou traduzir o meu pensamento. Valentim é meu amigo. É um rapaz, não direi virgem de coração, mas com tendências às paixões de sua idade. V. Exa. por sua grata e beleza inspirou-lhe, ao que parece, um desses amores profundos de que os romances dão exemplo. Com vinte e cinco anos, inteligente, benquisto, podia fazer um melhor papel que o de namorado sem ventura. Graças a V. Exa., todas as suas qualidades estão anuladas: o rapaz não pensa, não vê, não conhece, não compreende ninguém mais que não seja V. Exa.

 

CARLOTA

 

Pára aí a fantasia?

 

DOUTOR

 

Não, senhora. Ao seu carro atrelou-se com o meu amigo, um velho, um velho, minha senhora, que, com o fim de lhe parecer melhor, pinta a coroa venerável de seus cabelos brancos. De sério que era, fê-lo V. Exa. uma figurinha de papelão, sem vontade nem ação própria. Destes sei eu; ignoro se mais alguns dos que freqüentam esta casa andam atordoados como estes dois. Creio minha senhora, que lhe falei no português mais vulgar e próprio para me fazer entender.

 

CARLOTA

 

Não sei até que ponto é verdadeira toda essa história, mas consinta que lhe observe quanto andou errado em bater à minha porta. Que lhe posso eu fazer? Sou eu culpada de alguma coisa? A ser verdade isso que contou a culpa é da natureza que os fez fáceis de amar, e a mim, me fez... bonita?

 

DOUTOR

 

Pode dizer mesmo — encantadora.

 

CARLOTA

 

Obrigada!

 

DOUTOR

 

Em troca do adjetivo deixe acrescentar outro não menos merecido: namoradeira.

 

CARLOTA

 

Hein?

 

DOUTOR

 

Na-mo-ra-dei-ra!

 

CARLOTA

 

Está dizendo coisas que não têm senso comum.

 

DOUTOR

 

O senso comum é comum a dois modos de entender. É mesmo a mais de dois. É uma desgraça que nos achemos em divergência.

 

CARLOTA

 

Mesmo que fosse verdade não era delicado dizer...

 

DOUTOR

 

Esperava por essa. Mas V. Exa. esquece que eu, lúcido como estou hoje, já tive os meus momentos de alucinação. Já fiei como Hércules a seus pés. Lembra-se? Foi há três anos. Incorrigível a respeito de amores, tinha razões para estar curado, quando vim cair em suas mãos. Alguns alopatas costumam mandar chamar os homeopatas nos últimos momentos de um enfermo e há casos de salvação para o moribundo. V. Exa. serviu-me de homeopatia, desculpe a comparação; deu-me uma dose de veneno tremenda, mas eficaz; desde esse tempo fiquei curado.

 

CARLOTA

 

Admiro a sua facúndia! Em que tempo padeceu dessa febre de que tive a ventura de curá-lo?

 

DOUTOR

 

Já tive a honra de dizer que foi há três anos.

 

CARLOTA

 

Não me recordo. Mas considero-me feliz por ter conservado ao foro um dos advogados mais distintos da capital.

 

DOUTOR

 

Pode acrescentar: e à humanidade um dos homens mais úteis. Não se ria, sou um homem útil.

 

CARLOTA

 

Não me rio. Conjecturo em que se empregará a sua utilidade.

 

DOUTOR

 

Vou auxiliar a sua penetração. Sou útil pelos serviços que presto aos viajantes novéis relativamente ao conhecimento das costas e dos perigos do curso marítimo; indico os meios de chegar sem maior risco à ilha desejada de Citera.

 

CARLOTA

 

Ah!

 

DOUTOR

 

Essa exclamação é vaga e não me indica se V. Exa. está satisfeita ou não com a minha explicação. Talvez não acredite que eu possa servir aos viajantes?

 

CARLOTA

 

Acredito. Acostumei-me a olhá-lo como a verdade nua e crua.

 

DOUTOR

 

É o que dizia há bocado aquele doido Valentim.

 

CARLOTA

 

A que propósito dizia?...

 

DOUTOR

 

A que propósito? Queria que fosse a propósito da guerra dos Estados Unidos? Da questão do algodão? Do poder temporal? Da revolução na Grécia? Foi a respeito da única coisa que nos pode interessar, a ele, como marinheiro novel, e a mim, como capitão experimentado.

 

CARLOTA

 

Ah! Foi...

 

DOUTOR

 

Mostrei-lhe os pontos negros do meu roteiro.

 

CARLOTA

 

Creio que ele não ficou convencido...

 

DOUTOR

 

Tanto não, que se ia deitando ao mar.

 

CARLOTA

 

Ora, venha cá. Falemos um momento sem paixão nem rancor. Admito que o seu amigo ande apaixonado por mim. Quero admitir também que eu seja uma namoradeira...

 

DOUTOR

 

Perdão: uma encantadora namoradeira...

 

CARLOTA

 

Dentada de morcego; aceito.

 

DOUTOR

 

Não; atenuante e agravante; sou advogado!

 

CARLOTA

 

Admito isso tudo. Não me dirá donde tira o direito de intrometer-se nos atos alheios, e de impor as suas lições a uma pessoa que o admira e estima, mas que não é nem sua irmã, nem sua pupila?

 

DOUTOR

 

Donde? Da doutrina cristã: ensino os que erram.

 

CARLOTA

 

A sua delicadeza não me há de incluir entre os que erram.

 

DOUTOR

 

Pelo contrário; dou-lhe um lugar de honra: é a primeira.

 

CARLOTA

 

Sr. Doutor!

 

DOUTOR

 

Não se zangue minha senhora. Todos erram; mas V. Exa. erra muito. Não me dirá de que serve o que aproveita usar uma mulher bonita de seus encantos para espreitar um coração de vinte e cinco anos e atraí-lo com as suas cantilenas, sem outro fim mais do que contar adoradores e dar um público testemunho do que pode a sua beleza? Acha que é bonito? Isto não revolta? (movimento de Carlota)

 

CARLOTA

 

Por minha vez pergunto: donde lhe vem o direito de pregar-me sermões de moral?

 

DOUTOR

 

Não há direito escrito para isto, é verdade. Mas, eu que já tentei trincar o cacho de uvas pendente, não faço como a raposa da fábula, fico ao pé da parreira para dizer ao outro animal que vier: "Não sejas tolo! Não as alcançarás com o seu focinho!" e à parreira impassível: "Seca as tuas uvas ou deixa-as cair; é melhor do que tê-las a fazer cobiça às raposas avulsas!" É o direito da desforra!

 

CARLOTA

 

Ia-me zangando. Fiz mal. Com o Sr. Doutor é inútil discutir: fala-se pela razão, responde pela parábola.

 

DOUTOR

 

A parábola é a razão do evangelho, e o evangelho é o livro que mais tem convencido.

 

CARLOTA

 

Por tais disposições vejo que não deixa o posto de sentinela dos corações alheios?

 

DOUTOR

 

Avisador de incautos; é verdade.

 

CARLOTA

 

Pois declaro que dou às suas palavras o valor que merecem.

 

DOUTOR

 

Nenhum?

 

CARLOTA

 

Absolutamente nenhum. Continuarei a receber com a mesma afabilidade o seu amigo Valentim.

 

DOUTOR

 

Sim, minha senhora!

 

CARLOTA

 

E ao Doutor também.

 

DOUTOR

 

É magnanimidade.

 

CARLOTA

 

E ouvirei com paciência evangélica as suas prédicas não encomendadas.

 

DOUTOR

 

E eu pronto a proferi-las. Ah! Minha senhora, se as mulheres soubessem quanto ganhariam se não fossem vaidosas! É negócio de cinqüenta por cento.

 

CARLOTA

 

Estou resignada: crucifique-me!

 

DOUTOR

 

Em outra ocasião.

 

CARLOTA

 

Para ganhar forças quer almoçar segunda vez?

 

DOUTOR

 

Há de consentir que recuse.

 

CARLOTA

 

Por motivo de rancor?

 

DOUTOR

(pondo a mão no estômago)

 

Por motivo de incapacidade. (cumprimenta e dirige-se à porta. Carlota sai pelo fundo. Entra Valentim).

 

 

 

Cena VI

 

O DOUTOR, VALENTIM

 

DOUTOR

 

Oh! A que horas é o enterro?

 

VALENTIM

 

Que enterro? De que enterro me falas tu?

 

DOUTOR

 

Do teu. Não ias procurar o descanso, meu Werther?

 

VALENTIM

 

Ah! Não me fales! Esta mulher... onde está ela?

 

DOUTOR

 

Almoça.

 

VALENTIM

 

Sabes que a amo. Ela é invencível. Às minhas palavras amorosas respondeu com a frieza do sarcasmo. Exaltei-me e cheguei a proferir algumas palavras que poderiam indicar, da minha parte, uma intenção trágica. O ar da rua fez-me bem; acalmei-me...

 

DOUTOR

 

Tanto melhor!...

 

VALENTIM

 

Mas eu sou teimoso.

 

DOUTOR

 

Pois ainda crês?...

 

VALENTIM

 

Ouve: sinceramente aflito e apaixonado, apresentei-me a D. Carlota como era. Não houve meio de torná-la compassiva. Sei que não me ama; mas creio que não está longe disso; acha-se em um estado que basta uma faísca para acender-se-lhe no coração a chama do amor. Se não se comoveu à franca manifestação do meu afeto, há de comover-se a outro modo de revelação. Talvez não se incline ao homem poético e apaixonado; há de inclinar-se ao heróico ou até cético... ou a outra espécie. Vou tentar um por um.

 

DOUTOR

 

Muito bem. Vejo que raciocinas; é porque o amor e a razão dominam em ti com força igual. Graças a Deus, mais algum tempo e o predomínio da razão será certo.

 

VALENTIM

 

Achas que faço bem?

 

DOUTOR

 

Não acho, não, senhor!

 

VALENTIM

 

Por quê?

 

DOUTOR

 

Amas muito esta mulher? É próprio da tua idade e da força das coisas. Não há caso que desminta esta verdade reconhecida e provada: que a pólvora e o fogo, uma vez próximos fazem explosão.

 

VALENTIM

 

É uma doce fatalidade esta!

 

DOUTOR

 

Ouve-me calado. A que queres chegar com este amor? Ao casamento; é honesto e digno de ti. Basta que ela se inspire da mesma paixão, e a mão do himeneu virá converter em uma só as duas existências. Bem. Mas não te ocorre uma coisa: é que esta mulher, sendo uma namoradeira, não pode tornar-se vestal muito cuidadosa da ara matrimonial.

 

VALENTIM

 

Oh!

 

DOUTOR

 

Protestas contra isto? É natural. Não seria o que és se aceitasses a primeira vista a minha opinião. É por isso que te peso reflexão e calma. Meu caro, o marinheiro conhece as tempestades e os navios; eu conheço os amores e as mulheres; mas avalio no sentido inverso do homem do mar; as escumas veleiras são preferidas pelo homem do mar, eu voto contra as mulheres veleiras.

 

VALENTIM

 

Chamas a isto uma razão?

 

DOUTOR

 

Chamo a isto uma opinião. Não é a tua! Há de sê-lo com o tempo. Não me faltará ocasião de chamar-te ao bom caminho. A tempo o ferro e mezinha, disse Sá de Miranda. Empregarei o ferro.

 

VALENTIM

 

O ferro?

 

DOUTOR

 

O ferro. Só as grandes coragens é que se salvam. Devi a isso salvar-me das unhas deste gavião disfarçado de quem queres fazer tua mulher.

 

VALENTIM

 

O que estas dizendo?

 

DOUTOR

 

Cuidei que sabias. Também eu já trepei pela escada de seda para cantar a cantiga do Romeu à janela de Julieta.

 

VALENTIM

 

Ah!

 

DOUTOR

 

Mas não passei da janela. Fiquei ao relento, do que me resultou uma constipação.

 

VALENTIM

 

É natural. Pois como havia ela de amar a um homem que quer levar tudo pela razão fria dos seus libelos e embargos de terceiro?

 

DOUTOR

 

Foi isso que me salvou; os amores como os desta mulher precisam um tanto ou quanto de chicana. Passo pelo advogado mais chicaneiro do foro; imagina se a tua viúva podia haver-se comigo! Veio o meu dever com embargos de terceiro e eu ganhei a demanda. Se, em vez de comer tranqüilamente a fortuna de teu pai, tivesses cursado a academia de S. Paulo ou Olinda, estavas como eu, armado de broquel e cota de malhas.

 

VALENTIM

 

É o que te parece. Podem acaso as ordenações e o código penal contra os impulsos do coração? É querer reduzir a obra de Deus à condição da obra dos homens. Mas bem vejo que é o advogado mais chicaneiro do foro.

 

DOUTOR

 

E, portanto, o melhor.

 

VALENTIM

 

Não, o pior, porque não me convenceste.

 

DOUTOR

 

Ainda não?

 

VALENTIM

 

Nem me convencerás nunca.

 

DOUTOR

 

Pois é pena!

 

VALENTIM

 

Vou tentar os meios que tenho em vista; se nada alcançar talvez me resigne à sorte.

 

DOUTOR

 

Não tentes nada. Anda jantar comigo e vamos à noite ao teatro.

 

VALENTIM

 

Com ela? Vou.

 

DOUTOR

 

Nem me lembrava que a tinha convidado.

 

VALENTIM

 

Espero que hei de vencer.

 

DOUTOR

 

Com que contas? Com a tua estrela? Boa fiança!

 

VALENTIM

 

Conto comigo.

 

DOUTOR

 

Melhor ainda!

 

 

 

Cena VII

 

DOUTOR, VALENTIM, INOCÊNCIO

 

INOCÊNCIO

 

O corredor está deserto.

 

DOUTOR

 

Os criados servem à mesa. D. Carlota está almoçando. Está melhor?

 

INOCÊNCIO

 

Um tanto.

 

VALENTIM

 

Esteve doente, Sr. Inocêncio?

 

INOCÊNCIO

 

Sim, tive uma ligeira vertigem. Passou. Efeitos do amor... quero dizer... do calor.

 

VALENTIM

 

Ah!

 

INOCÊNCIO

 

Pois olhe, já sofri calor de estalar passarinho. Não sei como isto foi. Enfim, são coisas que dependem das circunstâncias.

 

VALENTIM

 

Houve circunstâncias?

 

INOCÊNCIO

 

Houve... (sorrindo) Mas não as digo... não!

 

VALENTIM

 

É segredo?

 

INOCÊNCIO

 

Se é!

 

VALENTIM

 

Sou discreto como uma sepultura; fale!

 

INOCÊNCIO

 

Oh! não! É um segredo meu e de mais ninguém... ou a bem dizer, meu e de outra pessoa... ou não, meu só!

 

DOUTOR

 

Respeitamos os segredos, seus ou de outros!

 

INOCÊNCIO

 

V. S. é um portento! Nunca hei de esquecer que me comparou ao sol! A certos respeitos andou avisado: eu sou uma espécie de sol, com uma diferença, é que não nasço para todos, nasço para todas!

 

DOUTOR

 

Oh! Oh!

 

VALENTIM

 

Mas V. S. está mais na idade de morrer que de nascer.

 

INOCÊNCIO

 

Apre lá! Com trinta e oito anos, a idade viril! V. S. é que é uma criança!

 

VALENTIM

 

Enganaram-me então. Ouvi dizer que V. S. fora dos últimos a beijar a mão de Dom João VI, quando daqui se foi, e que nesse tempo era já taludo...

 

INOCÊNCIO

 

Há quem se divirta em caluniar a minha idade. Que gente invejosa! Aonde vai, Doutor?

 

DOUTOR

 

Vou sair.

 

VALENTIM

 

Sem falar a D. Carlota?

 

DOUTOR

 

Já me havia despedido quando chegaste. Hei de voltar. Até logo. Adeus, Sr. Inocêncio!

 

INOCÊNCIO

 

Felizes tardes, Sr. Doutor!

 

 

 

Cena VIII

 

VALENTIM, INOCÊNCIO

 

INOCÊNCIO

 

É uma pérola este doutor! Delicado e bem falante! Quando abre a boca parece um deputado na assembléia ou um cômico na casa da ópera!

 

VALENTIM

 

Com trinta e oito anos e ainda fala na casa da ópera!

 

INOCÊNCIO

 

Parece que V. S. ficou engasgado com os meus trinta e oito anos! Supõe talvez que eu seja um Matusalém? Está enganado. Como me vê, faço andar à roda muita cabecinha de moça. A propósito, não acha esta viúva uma bonita senhora?

 

VALENTIM

 

Acho.

 

INOCÊNCIO

 

Pois é da minha opinião! Delicada, graciosa, elegante, faceira, como ela só... Ah!

 

VALENTIM

 

Gosta dela?

 

INOCÊNCIO

(com indiferença)

 

Eu? Gosto. E V. S.?

 

VALENTIM

(com indiferença)

 

Eu? Gosto.

 

INOCÊNCIO

(com indiferença)

 

Assim, assim?

 

VALENTIM

(com indiferença)

 

Assim, assim.

 

INOCÊNCIO

(contentíssimo, apertando-lhe a mão)

 

Ah! Meu amigo!

 

 

 

Cena IX

 

VALENTIM, INOCÊNCIO, CARLOTA

 

VALENTIM

 

Aguardávamos a sua chegada com a sem-cerimônia de pessoas íntimas.

 

CARLOTA

 

Oh! Fizeram muito bem! (senta-se)

 

INOCÊNCIO

 

Não ocultarei que estava ansioso pela presença de V. Exa.

 

CARLOTA

 

Ah! Obrigada... Aqui estou! (um silêncio) Que novidades há, Sr. Inocêncio?

 

INOCÊNCIO

 

Chegou o paquete.

 

CARLOTA

 

Ah! (outro silêncio) Ah! Chegou o paquete? (levanta-se)

 

INOCÊNCIO

 

Já tive a honra de...

 

CARLOTA

 

Provavelmente traz notícias de Pernambuco?... do cólera?...

 

INOCÊNCIO

 

Costuma a trazer...

 

CARLOTA

 

Vou mandar ver cartas... tenho um parente no Recife... Tenham a bondade de esperar...

 

INOCÊNCIO

 

Por quem é... não se incomode. Vou eu mesmo.

 

CARLOTA

 

Ora! Tinha que ver...

 

INOCÊNCIO

 

Se mandar um escravo ficará na mesma... demais, eu tenho relações com a administração do correio... O que talvez ninguém possa alcançar já e já, eu me encarrego de obter.

 

CARLOTA

 

A sua dedicação corta-me a vontade de impedi-lo. Se me faz o favor...

 

INOCÊNCIO

 

Pois não, até já! (beija-lhe a mão e sai)

 

 

 

Cena X

 

CARLOTA, VALENTIM

 

CARLOTA

 

Ah! Ah! Ah!

 

VALENTIM

 

V. Exa. ri-se?

 

CARLOTA

 

Acredita que foi para despedi-lo que o mandei ver cartas ao correio?

 

VALENTIM

 

Não ouso pensar...

 

CARLOTA

 

Ouse, porque foi isso mesmo.

 

VALENTIM

 

Haverá indiscrição em perguntar com que fim?

 

CARLOTA

 

Com o fim de poder interrogá-lo acerca do sentido de suas palavras quando daqui saiu.

 

VALENTIM

 

Palavras sem sentido...

 

CARLOTA

 

Oh!

 

VALENTIM

 

Disse algumas coisas... tolas!

 

CARLOTA

 

Está tão calmo para poder avaliar desse modo as suas palavras?

 

VALENTIM

 

Estou.

 

CARLOTA

 

Demais, o fim trágico que queria dar a uma coisa que começou por idílio... devia assustá-lo.

 

VALENTIM

 

Assustar-me? Não conheço o termo.

 

CARLOTA

 

É intrépido?

 

VALENTIM

 

Um tanto. Quem se expõe à morte não deve temê-la em caso nenhum.

 

CARLOTA

 

Oh! Oh! Poeta, e intrépido de mais a mais.

 

VALENTIM

 

Como lord Byron.

 

CARLOTA

 

Era capaz de uma segunda prova do caso de Leandro?

 

VALENTIM

 

Era. Mas eu já tenho feito coisas equivalentes.

 

CARLOTA

 

Matou algum elefante, algum hipopótamo?

 

VALENTIM

 

Matei uma onça.

 

CARLOTA

 

Uma onça?

 

VALENTIM

 

Pele malhada das cores mais vivas e esplêndidas; garras largas e possantes; olhar fulvo, peito largo e duas ordens de dentes afiados como espadas.

 

CARLOTA

 

Jesus! Esteve diante desse animal!

 

VALENTIM

 

Mais do que isso; lutei com ele e matei-o.

 

CARLOTA

 

Onde foi isso?

 

VALENTIM

 

Em Goiás.

 

CARLOTA

 

Conte essa história, novo Gaspar Correia.

 

VALENTIM

 

Tinha eu vinte anos. Andávamos a caça eu e mais alguns. Internamo-nos mais do que devíamos pelo mato. Eu levava comigo uma espingarda, uma pistola e uma faca de caça. Os meus companheiros afastaram-se de mim. Tratava de procurá-los quando senti passos... Voltei-me...

 

CARLOTA

 

Era a onça?

 

VALENTIM

 

Era a onça. Com o olhar fito sabre mim parecia disposta a dar-me o bote. Encarei-a, tirei cautelosamente a pistola e atirei sabre ela. O tiro não lhe fez mal. Protegido pelo fumo da pólvora, acastelei-me atrás de um tronco de árvore. A onça foi-me no encalço, e durante algum tempo andamos, eu e ela, a dançar à roda do tronco. Repentinamente levantou as patas e tentou esmagar-me abraçando a árvore, mais rápido que o raio, agarrei-lhe as mãos e apertei-a contra o tronco. Procurando escapar-me, a fera quis morder-me em uma das mãos; com a mesma rapidez tirei a faca de caca e cravei-lhe no pescoço; agarrei-lhe de novo a pata e continuei a apertá-la, até que os meus companheiros, orientados pelo tiro, chegaram ao lugar do combate.

 

CARLOTA

 

E mataram?...

 

VALENTIM

 

Não foi preciso. Quando larguei as mãos da fera, um cadáver pesado e tépido caiu no chão.

 

CARLOTA

 

Ora, mas isto é a história de um quadro da Academia!

 

VALENTIM

 

Só há um exemplar de cada feito heróico?

 

CARLOTA

 

Pois, deveras, matou uma onça?

 

VALENTIM

 

Conservo-lhe a pele como uma relíquia preciosa.

 

CARLOTA

 

É valente; mas pensando bem não sei de que vale ser valente.

 

VALENTIM

 

Oh!

 

CARLOTA

 

Palavra que não sei. Essa valentia fora do comum não é dos nossos dias. As proezas tiveram seu tempo; não me entusiasma essa luta do homem com a fera, que nos aproxima dos tempos bárbaros da humanidade. Compreendo agora a razão por que usa dos perfumes mais ativos; é para disfarçar o cheiro dos filhos do mato, que naturalmente há de ter encontrado mais de uma vez. Faz bem.

 

VALENTIM

 

Fera verdadeira é a que V. Exa. me atira com esse riso sarcástico. O que pensa então que possa excitar o entusiasmo?

 

CARLOTA

 

Ora, muita coisa! Não o entusiasmo dos heróis de Homero; um entusiasmo mais condigno nos nossos tempos. Não precisa ultrapassar as portas da cidade para ganhar títulos à admiração dos homens.

 

VALENTIM

 

V. Exa. acredita que seja uma verdade o aperfeiçoamento moral dos homens na vida das cidades?

 

CARLOTA

 

Acredito.

 

VALENTIM

 

Pois acredita mal. A vida das cidades estraga os sentimentos. Aqueles que eu pude ganhar e entreter na assistência das florestas perdi-os depois que entrei na vida tumultuária das cidades. V. Exa. ainda não conhece as mais verdadeiras opiniões.

 

CARLOTA

 

Dar-se-á caso que venha pregar contra o amor?...

 

VALENTIM

 

O amor! V. Exa. pronuncia essa palavra com uma veneração que parece estar falando de coisas sagradas! Ignora que o amor é uma invenção humana?

 

CARLOTA

 

Oh!

 

VALENTIM

 

Os homens, que inventaram tanta coisa, inventaram também este sentimento. Para dar justificação moral à união dos sexos inventou-se o amor, como se inventou o casamento para dar-lhe justificação legal. Esses pretextos, com o andar do tempo, tornaram-se motivos. Eis o que é o amor!

 

CARLOTA

 

É mesmo o senhor quem me fala assim?

 

VALENTIM

 

Eu mesmo.

 

CARLOTA

 

Não parece. Como pensa a respeito das mulheres?

 

VALENTIM

 

Aí é mais difícil. Penso muita coisa e não penso nada. Não sei como avaliar essa outra parte da humanidade extraída das costelas de Adão. Quem pode pôr leis ao mar? É o mesmo com as mulheres. O melhor é navegar descuidadamente, a pano largo.

 

CARLOTA

 

Isso é leviandade.

 

VALENTIM

 

Oh! Minha senhora!

 

CARLOTA

 

Chamo leviandade para não chamar despeito.

 

VALENTIM

 

Então há muito tempo que sou leviano ou ando despeitado, porque está é a minha opinião de longos anos. Pois ainda acredita na afeição íntima entre a descrença masculina e... dá licença? A leviandade feminina?

 

CARLOTA

 

É um homem perdido, Sr. Valentim. Ainda há santas afeições, crenças nos homens, e juízo nas mulheres. Não queira tirar a prova real pelas exceções. Some a regra geral e há de ver. Ah! Mas agora percebo!

 

VALENTIM

 

O quê?

 

CARLOTA

(rindo)

 

Ah! Ah! Ah! Ouça muito baixinho, para que nem as paredes possam ouvir: este não é ainda o caminho do meu coração, nem a valentia, tampouco.

 

VALENTIM

 

Ah! Tanto melhor! Volto ao ponto da partida e desisto da glória...

 

CARLOTA

 

Desanima? (entra o Doutor)

 

VALENTIM

 

Dou-me por satisfeito. Mas já se vê, como cavalheiro, sem rancor nem hostilidade. (entra Inocêncio)

 

CARLOTA

 

É arriscar-se a novas tentativas.

 

VALENTIM

 

Não.

 

CARLOTA

 

Não seja vaidoso. Está certo?

 

VALENTIM

 

Estou. E a razão é esta: quando não se pode atinar com o caminho do coração toma-se o caminho da porta. (cumprimenta e dirige-se para a porta)

 

CARLOTA

 

Ah — Pois que vá! — Estava aí Sr. Doutor? Tome cadeira.

 

DOUTOR

(baixo)

 

Com uma advertência: Há muito tempo que me fui pelo caminho da porta.

 

CARLOTA

(séria)

 

Prepararam ambos esta comédia?

 

DOUTOR

 

Comédia, com efeito, cuja moralidade Valentim incumbiu-se de resumir: — Quando não se pode atinar com o caminho do coração, deve-se tomar sem demora o caminho da porta. (saem o Doutor e Valentim)

 

CARLOTA

(vendo Inocêncio)

 

Pode sentar-se. (indica-lhe uma cadeira. Risonha) Como passou?

 

INOCÊNCIO

 

(senta-se meio desconfiado, mas levanta-se logo)

Perdão: eu também vou pelo caminho da porta! (sai. Carlota atravessa arrebatadamente a cena. Cai o pano)

 

 

 

FIM

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O PROTOCOLO

Comédia em um ato

 

Representada pela primeira vez no Ateneu Dramático do Rio de Janeiro em novembro de 1862.

 

 

 

PERSONAGENS

 

PINHEIRO

VENÂNCIO ALVES

ELISA

LULU

 

 

 

 

Atualidade.

Em casa de Pinheiro

(Sala de visitas.)

 

 

 

Cena I

 

ELISA, VENÂNCIO ALVES

 

ELISA

 

Está meditando?

 

VENÂNCIO

(como que acordando)

 

Ah! Perdão!

 

ELISA

 

Estou afeita à alegria constante de Lulu, e não posso ver ninguém triste.

 

VENÂNCIO

 

Exceto a senhora mesma.

 

ELISA

 

Eu!

 

VENÂNCIO

 

A senhora!

 

ELISA

 

Triste, por que, meu Deus?

 

VENÂNCIO

 

Eu sei! Se a rosa dos campos me fizesse a mesma pergunta, eu responderia que era falta de orvalho e de sol. Quer que lhe diga que é falta de... de amor?

 

ELISA

 

Não diga isso!

 

VENÂNCIO

 

Com certeza, é.

 

ELISA

 

Donde conclui?

 

VENÂNCIO

 

A senhora tem um sol oficial e um orvalho legal que não sabem animá-la. Há nuvens...

 

ELISA

 

É suspeita sem fundamento.

 

VENÂNCIO

 

É realidade.

 

ELISA

 

Que franqueza a sua!

 

VENÂNCIO

 

Ah! É que o meu coração é virginal, e portanto sincero.

 

ELISA

 

Virginal a todos os respeitos?

 

VENÂNCIO

 

Menos a um.

 

ELISA

 

Não serei indiscreta: é feliz.

 

VENÂNCIO

 

Esse é o engano. Basta essa exceção para trazer-me em um temporal. Tive até certo tempo o sossego e a paz do homem que está fechado no gabinete sem se lhe dar da chuva que açoita as vidraças.

 

ELISA

 

Por que não se deixou ficar no gabinete?

 

VENÂNCIO

 

Podia acaso fazê-lo? Passou fora a melodia do amor; o coração é curioso e bateu-me que saísse, levantei-me, deixei o livro que estava lendo; era Paulo e Virgínia! Abri a porta e nesse momento a fada passava. (reparando nela) Era de olhos negros e cabelos castanhos.

 

ELISA

 

Que fez?

 

VENÂNCIO

 

Deixei o gabinete, o livro, tudo para seguir a fada do amor!

 

ELISA

 

Não reparou se ela ia só?

 

VENÂNCIO

(suspirando)

 

Não ia só!

 

ELISA

(em tom de censura)

 

Fez mal.

 

VENÂNCIO

 

Talvez. Curioso animal que é o homem! Em criança deixa a casa paterna para acompanhar os batalhões que vão à parada; na mocidade deixa os conchegos e a paz para seguir a fada do amor; na idade madura deixa-se levar pelo deus Momo da política ou por qualquer outra fábula do tempo. Só na velhice deixa passar tudo sem mover-se, mas... é porque já não tem pernas!

 

ELISA

 

Mas que tencionava fazer se ela não ia só?

 

VENÂNCIO

 

Nem sei.

 

ELISA

 

Foi loucura. Apanhou chuva!

 

VENÂNCIO

 

Ainda estou apanhando.

 

ELISA

 

Então é um extravagante.

 

VENÂNCIO

 

Sim. Mas um extravagante por amor... ó poesia!

 

ELISA

 

Mau gosto!

 

VENÂNCIO

 

A Sra. é a menos competente para dizer isso.

 

ELISA

 

É sua opinião?

 

VENÂNCIO

 

É opinião deste espelho.

 

ELISA

 

Ora!

 

VENÂNCIO

 

E dos meus olhos também.

 

ELISA

 

Também dos seus olhos?

 

VENÂNCIO

 

Olhe para eles.

 

ELISA

 

Estou olhando.

 

VENÂNCIO

 

O que vê dentro?

 

ELISA

 

Vejo... (com enfado) Não vejo nada!

 

VENÂNCIO

 

Ah! Está convencida!

 

ELISA

 

Presumido!

 

VENÂNCIO

 

Eu! Essa agora não é má!

 

ELISA

 

Para que seguiu quem passava quieta pela rua? Supunha abrandá-la com as suas mágoas?

 

VENÂNCIO

 

Acompanhei-a, não para abrandá-la, mas para servi-la; viver do rasto de seus pés, das migalhas dos seus olhares; apontar-lhe os regos a saltar, apanhar-lhe o leque quando caísse (cai o leque a Elisa. Venâncio Alves apressa-se a apanhá-lo e entrega-lho) Finalmente...

 

ELISA

 

Finalmente... Fazer profissão de presumido!

 

VENÂNCIO

 

Acredita deveras que o seja?

 

ELISA

 

Parece.

 

VENÂNCIO

 

Pareço, mas não sou. Presumido seria se eu exigisse a atenção exclusiva da fada da noite. Não quero! Basta-me ter coração para amá-la, é a minha maior ventura!

 

ELISA

 

A que pode levá-lo esse amor? Mais vale sufocar no coração a chama nascente do que condená-la a arder em vão.

 

VENÂNCIO

 

Não; é uma fatalidade! Arder e renascer, como a fênix, suplício eterno, mas amor eterno também.

 

ELISA

 

Eia! Ouça uma... amiga. Não dê a esse sentimento tanta importância. Não é a fatalidade da fênix, é a fatalidade... do relógio. Olhe para aquele. Lá anda correndo e regulando; mas se amanhã não lhe derem corda, ele parará. Não dê corda à paixão, que ela parará por si.

 

VENÂNCIO

 

Isso não!

 

ELISA

 

Faça isso... Por mim!

 

VENÂNCIO

 

Pela senhora! Sim... não...

 

ELISA

 

Tenha ânimo!

 

 

 

Cena II

 

VENÂNCIO ALVES, ELISA, PINHEIRO

 

PINHEIRO

(a Venâncio)

 

Como está?

 

VENÂNCIO

 

Bom. Conversávamos sobre coisas da moda. Viu os últimos figurinos? São de apurado gosto.

 

PINHEIRO

 

Não vi.

 

VENÂNCIO

 

Está com um ar triste...

 

PINHEIRO

 

Triste, não; aborrecido... É a minha moléstia do domingo.

 

VENÂNCIO

 

Ah!

 

PINHEIRO

 

Ando a abrir e fechar a boca; é um círculo vicioso.

 

ELISA

 

Com licença.

 

VENÂNCIO

 

Oh! Minha senhora!

 

ELISA

 

Faço anos hoje; venha jantar conosco.

 

VENÂNCIO

 

Venho. Até logo.

 

 

 

Cena III

 

PINHEIRO, VENÂNCIO ALVES

 

VENÂNCIO

 

Anda então em um círculo vicioso?

 

PINHEIRO

 

É verdade. Tentei dormir, não pude; tentei ler, não pude. Que tédio, meu amigo!

 

VENÂNCIO

 

Admira!

 

PINHEIRO

 

Por quê?

 

VENÂNCIO

 

Porque não sendo viúvo nem solteiro...

 

PINHEIRO

 

Sou casado...

 

VENÂNCIO

 

É verdade.

 

PINHEIRO

 

Que adianta?

 

VENÂNCIO

 

É boa! Adianta ser casado. Compreende nada melhor que o casamento?

 

PINHEIRO

 

O que pensa da China, Sr. Venâncio?

 

VENÂNCIO

 

Eu? Penso...

 

PINHEIRO

 

Já sei, vai repetir-me o que tem lido nos livros e visto nas gravuras; não sabe mais nada.

 

VENÂNCIO

 

Mas as narrações verídicas...

 

PINHEIRO

 

São minguadas ou exageradas. Vá à China, e verá como as coisas mudam tanto ou quanto de figura.

 

VENÂNCIO

 

Para adquirir essa certeza não vou lá.

 

PINHEIRO

 

É o que lhe aconselho; não se case!

 

VENÂNCIO

 

Que não me case?

 

PINHEIRO

 

Ou não vá à China, como queira. De fora, conjecturas, sonhos, castelos no ar, esperanças, comoções... Vem o padre, dá a mão aos noivos, leva-os, chegam às muralhas... Upa! Estão na China! Com a altura da queda fica-se atordoado, e os sonhos de fora continuam dentro: é a lua-de-mel; mas, à proporção que o espírito se restabelece, vai vendo o país como ele é; então poucos lhe chamam celeste império, algum infernal império, muitos purgatorial império!

 

VENÂNCIO

 

Ora, que banalidade!

 

PINHEIRO

 

Parece-lhe?

 

VENÂNCIO

 

E que sofisma!

 

PINHEIRO

 

Quantos anos têm, Sr. Venâncio?

 

VENÂNCIO

 

Vinte e quatro.

 

PINHEIRO

 

Esta com a mania que eu tinha na sua idade.

 

VENÂNCIO

 

Qual mania?

 

PINHEIRO

 

A de querer acomodar todas as coisas à lógica, e a lógica a todas as coisas. Viva, experimente e convencer-se-á de que nem sempre se pode alcançar isso.

 

VENÂNCIO

 

Quer-me parecer que há nuvens no céu conjugal?

 

PINHEIRO

 

Há. Nuvens pesadas.

 

VENÂNCIO

 

Já eu as tinha visto com o meu telescópio.

 

PINHEIRO

 

Ah! Se eu não estivesse preso...

 

VENÂNCIO

 

É exageração de sua parte. Capitule, Sr. Pinheiro, capitule. Com mulheres bonitas é um consolo capitular. Há de ser o meu preceito de marido.

 

PINHEIRO

 

Capitular é vergonha.

 

VENÂNCIO

 

Com uma moça encantadora?...

 

PINHEIRO

 

Não é uma razão.

 

VENÂNCIO

 

Alto lá! Beleza obriga.

 

PINHEIRO

 

Pode ser verdade, mas eu peço respeitosamente licença para declarar-lhe que estou com o novo princípio de não-intervenção nos Estados. Nada de intervenções.

 

VENÂNCIO

 

A minha intervenção é toda conciliatória.

 

PINHEIRO

 

Não duvido, nem duvidava. Não veja no que disse injúria pessoal. Folgo de recebê-lo e de contá-lo entre os afeiçoados de minha família.

 

VENÂNCIO

 

Muito obrigado. Dá-me licença?

 

PINHEIRO

 

Vai rancoroso?

 

VENÂNCIO

 

Ora qual! Até a hora do jantar.

 

PINHEIRO

 

Há de desculpar-me, não janto em casa. Mas considere-se com a mesma liberdade. (sai Venâncio. Entra Lulu)

 

 

 

Cena IV

 

PINHEIRO, LULU

 

LULU

 

Viva primo!

 

PINHEIRO

 

Como estás, Lulu?

 

LULU

 

Meu Deus, que cara feia!

 

PINHEIRO

 

Pois é a que trago sempre.

 

LULU

 

Não é, não, senhor; a sua cara de costume é uma cara amável; essa é de afugentar a gente. Deu agora para andar arrufado com sua mulher!

 

PINHEIRO

 

Mau!

 

LULU

 

Escusa de zangar-se também comigo. O primo é um bom marido; a prima é uma excelente esposa; ambos formam um excelente casal. É bonito andarem amuados, sem se olharem nem se falarem? Até parece namoro!

 

PINHEIRO

 

Ah! Tu namoras assim?

 

LULU

 

Eu não namoro.

 

PINHEIRO

 

Com essa idade?

 

LULU

 

Pois então! Mas escute: estes arrufos vão continuar?

 

PINHEIRO

 

Eu sei lá.

 

LULU

 

Sabe, sim. Veja se isto é bonito na lua-de-mel; ainda não há cinco meses que se casaram.

 

PINHEIRO

 

Não há, não. Mas a data não vem ao caso. A lua-de-mel ofuscou-se; é alguma nuvem que passa; deixá-la passar. Queres que eu faça como aquele doido que, ao enublar-se o luar pedia a Júpiter que espevitasse o candeeiro? Júpiter é independente, e me apagaria de todo o luar, como fez com o doido. Aguardemos antes que algum vento sopre do forte, ou do sul, e venha dissipar a passageira sombra.

 

LULU

 

Pois sim! Ela é o norte, o primo é o sul; faça com que o vento sopre do sul.

 

PINHEIRO

 

Não, senhora, há de soprar do norte.

 

LULU

 

Capricho sem graça!

 

PINHEIRO

 

Quer saber de uma coisa, Lulu? Estou pensando que é uma brisazinha do norte encarregada de fazer clarear o céu.

 

LULU

 

Oh! Nem por graça!

 

PINHEIRO

 

Confessa Lulu!

 

LULU

 

Posso ser uma brisa do sul, isso sim!

 

PINHEIRO

 

Não terás essa glória.

 

LULU

 

Então o primo é caprichoso assim?

 

PINHEIRO

 

Caprichoso? Ousas tu, posteridade de Eva, falar de capricho a mim, posteridade de Adão!

 

LULU

 

Oh!...

 

PINHEIRO

 

Tua prima é uma caprichosa. De seus caprichos nasceram estas diferenças entre nós. Mas para caprichosa, caprichoso; contrafiz-me, estudei no código feminino meios de pôr os pés à parede, e tornei-me de antes quebrar que torcer. Se ela não der um passo, também eu não dou.

 

LULU

 

Pois eu estendo a mão direita a um, e a esquerda a outro, e os aproximarei.

 

PINHEIRO

 

Queres ser o anjo da reconciliação?

 

LULU

 

Tal qual.

 

PINHEIRO

 

Contanto que eu não passe pelas forcas caudinas.

 

LULU

 

Hei de fazer as coisas airosamente.

 

PINHEIRO

 

Insistes nisso? Eu podia dizer que era ainda um capricho de mulher. Mas não digo não, chamo antes afeição e dedicação.

 

 

 

Cena V

 

PINHEIRO, LULU, ELISA

 

LULU

(baixo)

 

Olhe, aí está ela!

 

PINHEIRO

(baixo)

 

Deixá-la.

 

ELISA

 

Andava a tua procura, Lulu.

 

LULU

 

Para quê, prima?

 

ELISA

 

Para me dares uma pouca de lá.

 

LULU

 

Não tenho aqui; vou buscar.

 

PINHEIRO

 

Lulu!

 

LULU

 

O que é?

 

PINHEIRO

(baixo)

 

Dize a tua prima que eu janto fora.

 

LULU

(indo a Elisa, baixo.)

 

O primo janta fora.

 

ELISA

(baixo)

 

Se for por ter o que fazer, podemos esperar.

 

LULU

(a Pinheiro, baixo)

 

Se for por ter o que fazer, podemos esperar.

 

PINHEIRO

(baixo)

 

É um convite.

 

LULU

(alto)

 

É um convite.

 

ELISA

(alto)

 

Ah! Se for um convite pode ir; jantaremos sós.

 

PINHEIRO

(levantando-se)

 

Consentirá minha senhora, que lhe faça uma observação: mesmo sem a sua licença, eu podia ir!

 

ELISA

 

Ah! É claro! Direito de marido... Quem lho contesta?

 

PINHEIRO

 

Havia de ser engraçada a contestação!

 

ELISA

 

Mesmo muito engraçada!

 

PINHEIRO

 

Tanto, quanto foi ridícula a licença.

 

LULU

 

Primo!

 

PINHEIRO

(a Lulu)

 

Cuida das tuas novelas! Vai encher a cabeça de romantismo, é moda; colhe as idéias absurdas que encontrares nos livros, e depois faz da casa de teu marido a cena do que houveres aprendido com as leituras: é também moda. (sai arrebatadamente)

 

 

 

Cena VI

 

LULU, ELISA

 

LULU

 

Como está o primo!

 

ELISA

 

Mau humor, há de passar!

 

LULU

 

Sabe como passava depressa? Pondo fim a estes amuos.

 

ELISA

 

Sim, mas cedendo ele.

 

LULU

 

Ora, isso é teima!

 

ELISA

 

É dignidade!

 

LULU

 

Passam dias sem se falarem, e, quando se falam, é assim.

 

ELISA

 

Ah! Isto é o que menos cuidado me dá. Ao princípio fiquei amofinada, e devo dizê-lo, chorei. São coisas estas que só se confessam entre mulheres. Mas hoje vou fazer o que as outras fazem: curar pouco das torturas domésticas. Coração à larga, minha filha, se ganha o céu, e não se perde a terra.

 

LULU

 

Isso é zanga!

 

ELISA

 

Não é zanga, é filosofia. Há de chegar o teu dia, deixa estar. Saberás então, quanto vale a ciência do casamento.

 

LULU

 

Pois explica, mestra.

 

ELISA

 

Não; saberás por ti mesma. Quero, entretanto, instruir-te de uma coisa. Não lhe ouviu falar no direito? É engraçada a história do direito! Todos os poetas concordam em dar às mulheres o nome de anjos. Os outros homens não se atrevem a negar, mas dizem consigo: "Também nós somos anjos!". Nisto há sempre um espelho ao lado, que lhes faz ver que, para anjos faltam-lhes... asas! Asas! Asas! A todo o custo. E arranjam-nas legítimas ou não, pouco importa. Essas asas os levam a jantar fora, a dormir fora, muitas vezes a amar fora. A essas asas chamam enfaticamente: o nosso direito!

 

LULU

 

Mas, prima, as nossas asas?

 

ELISA

 

As nossas? Bem se vê que és inexperiente. Estuda, estuda, e hás de achá-las.

 

LULU

 

Prefiro não usar delas.

 

ELISA

 

Hás de dizer o contrário quando for ocasião. Meu marido lá bateu as suas; o direito de jantar fora! Caprichou em não levar-me à casa de minha madrinha; é ainda o direito. Daqui nasceram os nossos arrufos, arrufos sérios. Uma santa zangar-se-ia, como eu. Para caprichoso, caprichosa!

 

LULU

 

Pois sim! Mas estas coisas vão dando na vista; já as pessoas que freqüentam a nossa casa têm reparado; o Venâncio Alves não me deixa sossegar com as suas perguntas.

 

ELISA

 

Ah! Sim!

 

LULU

 

Que rapaz aborrecido, prima!

 

ELISA

 

Não acho!

 

LULU

 

Pois eu acho: aborrecido com as suas afetações!

 

ELISA

 

Como aprecias mal! Ele fala com graça e chamá-lo afetado!...

 

LULU

 

Que olhos os seus, prima!

 

ELISA

(indo ao espelho)

 

São bonitos?

 

LULU

 

São maus.

 

ELISA

 

Em que, minha filósofa?

 

LULU

 

Em verem o anverso de Venâncio Alves, e o reverso do primo.

 

ELISA

 

És uma tola.

 

LULU

 

Só?

 

ELISA

 

E uma descomedida.

 

LULU

 

É porque os amo a ambos. E depois...

 

ELISA

 

Depois, o quê?

 

LULU

 

Vejo no Venâncio Alves um arzinho de pretendente.

 

ELISA

 

À tua mão direita?

 

LULU

 

À tua mão esquerda.

 

ELISA

 

Oh!

 

LULU

 

É coisa que se adivinha... (ouve-se um carro) Aí está o homem.

 

ELISA

 

Vai recebê-lo. (Lulu vai até à porta. Elisa chega-se a um espelho e compõe o toucado)

 

 

 

Cena VII

 

ELISA, LULU, VENÂNCIO

 

LULU

 

O Sr. Venâncio Alves chega a propósito; falávamos na sua pessoa.

 

VENÂNCIO

 

Em que ocupava eu a atenção de tão gentis senhoras?

 

LULU

 

Fazíamos o inventário das suas qualidades.

 

VENÂNCIO

 

Exageravam-me o cabedal, já sei.

 

LULU

 

A prima dizia: "Que moço amável é o Sr. Venâncio Alves!".

 

VENÂNCIO

 

Ah! E a senhora?

 

LULU

 

Eu dizia: "Que moço amabilíssimo é o Sr. Venâncio Alves!".

 

VENÂNCIO

 

Dava-me o superlativo. Não me cai no chão esta atenção gramatical.

 

LULU

 

Eu sou assim: estimo ou aborreço no superlativo. Não é prima?

 

ELISA

(contrariada)

 

Eu sei lá!

 

VENÂNCIO

 

Como deve ser triste cair-lhe no desagrado!

 

LULU

 

Vou avisando, é o superlativo.

 

VENÂNCIO

 

Dou-me por feliz. Creio que lhe caí em graça...

 

LULU

 

Caiu! Caiu! Caiu!

 

ELISA

 

Lulu vai buscar a lá.

 

LULU

 

Vou, prima, vou. (sai correndo)

 

 

 

Cena VIII

 

VENÂNCIO, ELISA

 

VENÂNCIO

 

Voa qual uma andorinha esta moça!

 

ELISA

 

É próprio da idade.

 

VENÂNCIO

 

Vou sangrar-me...

 

ELISA

 

Hein?

 

VENÂNCIO

 

Sangrar-me em saúde contra uma suspeita sua.

 

ELISA

 

Suspeita?

 

VENÂNCIO

 

Suspeita de haver-me adiantado o meu relógio.

 

ELISA

(rindo)

 

Posso crê-lo.

 

VENÂNCIO

 

Estará em erro. Olhe, são duas horas; confronte com o seu: duas horas.

 

ELISA

 

Pensa que acreditei seriamente?

 

VENÂNCIO

 

Vim mais cedo, e de passagem. Quis antecipar-me aos outros no cumprimento de um dever. Os antigos, em prova de respeito, depunham aos pés dos deuses grinaldas e festões; o nosso tempo, infinitamente prosaico, só nos permite oferendas prosaicas; neste álbum ponho eu o testemunho do meu júbilo pelo dia de hoje.

 

ELISA

 

Obrigada. Creio no sentimento que o inspira e admiro o gosto da escolha.

 

VENÂNCIO

 

Não é a mim que deve tecer o elogio.

 

ELISA

Foi gosto de quem vendeu?

 

VENÂNCIO

 

Não, minha senhora, eu próprio o escolhi; mas a escolha foi das mais involuntárias; tinha a sua imagem na cabeça, e não podia deixar de acertar.

 

ELISA

 

É uma fineza de quebra. (folheia o álbum)

 

VENÂNCIO

 

É por isso que me vibra um golpe?

 

ELISA

 

Um golpe?

 

VENÂNCIO

 

É tão casta que não há de calcular comigo; mas as suas palavras são proferidas com uma indiferença que eu direi instintiva.

 

ELISA

 

Não creia...

 

VENÂNCIO

 

Que não creia na indiferença?

 

ELISA

 

Não... Não creia no cálculo...

 

VENÂNCIO

 

Já disse que não. Em que devo crer seriamente?

 

ELISA

 

Não sei.

 

VENÂNCIO

 

Em nada, não lhe parece?

 

ELISA

 

Não reza a história de que os antigos, ao depositarem as suas oferendas, apostrofassem os deuses.

 

VENÂNCIO

 

É verdade: este uso é do nosso tempo.

 

ELISA

 

Do nosso prosaico tempo.

 

VENÂNCIO

 

A senhora ri? Riamos todos! Também eu rio, e da melhor vontade.

 

ELISA

 

Pode rir sem terror. Acha que sou deusa? Mas os deuses já se foram. Estátua, isto sim.

 

VENÂNCIO

 

Será estátua. Não me inculpe, nesse caso, a admiração.

 

ELISA

 

Não inculpo, aconselho.

 

VENÂNCIO

(repoltreando-se)

 

Foi excelente esta idéia do divã. É um consolo para quem está cansado, e quando à comodidade junta o bom gosto, como este, então é ouro sobre azul. Não acha engenhoso, D. Elisa?

 

ELISA

 

Acho.

 

VENÂNCIO

 

Devia ser inscrito entre os beneméritos da humanidade o autor disto. Com trastes assim, e dentro de uma casinha de campo, prometo ser o mais sincero anacoreta que jamais fugiu às tentações do mundo. Onde comprou este?

 

ELISA

 

Em casa de Costrejean.

 

VENÂNCIO

 

Comprou uma preciosidade.

 

ELISA

 

Com outra que está agora por cima, e que eu não comprei, fazem duas, duas preciosidades.

 

VENÂNCIO

 

Disse muito bem! É tal o conchego que até se podem esquecer as horas... É verdade, que horas são? Duas e meia. A senhora dá-me licença?

 

ELISA

 

Já se vai?

 

VENÂNCIO

 

Até a hora do jantar.

 

ELISA

 

Olhe, não me queira mal.

 

VENÂNCIO

 

Eu, mal! E por quê?

 

ELISA

 

Não me obrigue a explicações inúteis.

 

VENÂNCIO

 

Não obrigo, não. Compreendo de sobejo a sua intenção. Mas, francamente, se a flor está alta para ser colhida, é crime aspirar-lhe de longe o aroma e adorná-la?

 

ELISA

 

Crime não é.

 

VENÂNCIO

 

São duas e meia. Até a hora do jantar.

 

 

 

Cena IX

 

VENÂNCIO, ELISA, LULU

 

LULU

 

Sai com a minha chegada?

 

VENÂNCIO

 

Ia sair.

 

LULU

 

Até quando?

 

VENÂNCIO

 

Até a hora do jantar.

 

LULU

 

Ah! Janta conosco?

 

ELISA

 

Sabes que faço anos, e esse dia é o dos amigos.

 

LULU

 

É justo, é justo!

 

VENÂNCIO

 

Até logo.

 

 

 

Cena X

 

LULU, ELISA

 

LULU

 

Oh! Teve presente!

 

ELISA

 

Não achas de gosto?

 

LULU

 

Não tanto.

 

ELISA

 

É prevenção. Suspeitas que é do Venâncio Alves?

 

LULU

 

Atinei logo.

 

ELISA

 

Que tens contra esse moço?

 

LULU

 

Já to disse.

 

ELISA

 

É mal se deixar ir pelas antipatias.

 

LULU

 

Antipatias não tenho.

 

ELISA

 

Alguém sobe.

 

LULU

 

Há de ser o primo.

 

ELISA

 

Ele! (sai)

 

 

 

Cena XI

 

PINHEIRO, LULU

 

LULU

 

Viva! Está mais calmo?

 

PINHEIRO

 

Calmo sempre, menos nas ocasiões em que és... indiscreta.

 

LULU

 

Indiscreta!

 

PINHEIRO

 

Indiscreta, sim senhora! Para que veio aquela exclamação quando eu falava com Elisa?

 

LULU

 

Foi porque o primo falou de um modo...

 

PINHEIRO

 

De um modo, que é o meu modo, que é modo de todos os maridos contrariados.

 

LULU

 

De um modo que não é o seu, primo. Para que se fazer mal quando é bom? Pensa que não se percebe quanto lhe custa contrafazer-se?

 

PINHEIRO

 

Vais dizer que sou um anjo!

 

LULU

 

O primo é um excelente homem, isso sim. Olhe, sou importuna, e hei de sê-lo até vê-los desamuados.

 

PINHEIRO

 

Ora, prima, para irmã de caridade, é muita criança. Dispenso os teus conselhos e os teus serviços.

 

LULU

 

É um ingrato.

 

PINHEIRO

 

Serei.

 

LULU

 

Homem sem coração.

 

PINHEIRO

 

Quanto a isso, é questão de fato; põe aqui a tua mão, não sentes bater? É o coração.

 

LULU

 

Eu sinto um charuto.

 

PINHEIRO

 

Um charuto? Pois é isso mesmo. Coração e charuto são símbolos um do outro; ambos se queimam e se desfazem em cinzas. Olha, este charuto, sei eu que o tenho para fumar; mas o coração, esse creio que já está todo no cinzeiro.

 

LULU

 

Sempre a brincar!

 

PINHEIRO

 

Achas que devo chorar?

 

LULU

 

Não, mas...

 

PINHEIRO

 

Mas o quê?

 

LULU

 

Não digo, é uma coisa muito feia.

 

PINHEIRO

 

Coisas feias na tua boca, Lulu!

 

LULU

 

Muito feia.

 

PINHEIRO

 

Não há de ser, dize.

 

LULU

 

Demais, posso parecer indiscreta.

 

PINHEIRO

 

Ora, qual. É alguma coisa de meu interesse?

 

LULU

 

Se é!

 

PINHEIRO

 

Pois, então, não és indiscreta!

 

LULU

 

Então, quantas caras têm a indiscrição?

 

PINHEIRO

 

Duas.

 

LULU

 

Boa moral!

 

PINHEIRO

 

Moral à parte. Fala, o que é?

 

LULU

 

Que curioso! É uma simples observação; não lhe parece que é mal desamparar a ovelha, havendo tantos lobos, primo?

 

PINHEIRO

 

Onde aprendeste isso?

 

LULU

 

Nos livros que me dão para ler.

 

PINHEIRO

 

Estás adiantada! E já que sabes tanto, falarei como se falasse a um livro. Primeiramente, eu não desamparo; depois, não vejo lobos.

 

LULU

 

Desampara, sim!

 

PINHEIRO

 

Não estou em casa?

 

LULU

 

Desampara o coração.

 

PINHEIRO

 

Mas os lobos?...

 

LULU

 

Os lobos vestem-se de cordeiros, e apertam a mão ao pastor, conversam com ele, sem que deixem de olhar furtivamente para a ovelha mal guardada.

 

PINHEIRO

 

Não há nenhum.

 

LULU

 

São assíduos; visitas sobre visitas; muita zumbaia, muita atenção, mas lá por dentro a ruminarem coisas más.

 

PINHEIRO

 

Ora, Lulu, deixa-te de tolices.

 

LULU

 

Não digo mais nada. Onde foi Venâncio Alves?

 

PINHEIRO

 

Não sei. Ali está um que não há de ser acusado de lobo.

 

LULU

 

Os lobos vestem-se de cordeiros.

 

PINHEIRO

 

O que é que dizes?

 

LULU

 

Eu não digo nada. Vou tocar piano. Quer ouvir um noturno ou prefere uma polca?

 

PINHEIRO

 

Lulu, ordeno-lhe que fale!

 

LULU

 

Para quê? Para ser indiscreta?

 

PINHEIRO

 

Venâncio Alves?...

 

LULU

 

É um tolo, nada mais. (sai. Pinheiro fica pensativo. Vai à mesa e vê o álbum)

 

 

 

Cena XII

 

PINHEIRO, ELISA

 

PINHEIRO

 

Há de desculpar-me, mas, creio não ser indiscreto, desejando saber com que sentimento recebeu este álbum.

 

ELISA

 

Com o sentimento com que se recebem álbuns.

 

PINHEIRO

 

A resposta em nada me esclarece.

 

ELISA

 

Há então sentimentos para receber álbuns, e há um com que eu devera receber este?

 

PINHEIRO

 

Devia saber que há.

 

ELISA

 

Pois... recebi com esse.

 

PINHEIRO

 

A minha pergunta poderá parecer indiscreta, mas...

 

ELISA

 

Oh! Indiscreta, não!

 

PINHEIRO

 

Deixe minha senhora esse tom sarcástico, e veja bem que eu falo sério.

 

ELISA

 

Vejo isso. Quanto à pergunta, está exercendo um direito.

 

PINHEIRO

 

Não lhe parece que seja um direito este de investigar as intenções dos pássaros que penetram em minha seara, Para saber se são daninhos?

 

ELISA

 

Sem dúvida. Ao lado desse direito, esta o nosso dever, dever das searas, de prestar-se a todas as suspeitas.

 

PINHEIRO

 

É inútil a argumentação por esse lado: os pássaros cantam e as cantigas deleitam.

 

ELISA

 

Está falando sério?

 

PINHEIRO

 

Muito sério.

 

ELISA

 

Então consinta que faça contraste: eu rio-me.

 

PINHEIRO

 

Não me tome por um mal sonhador de perfídias; perguntei, porque estou seguro de que não são muito santas as intenções que trazem a minha casa Venâncio Alves.

 

ELISA

 

Pois eu nem suspeito...

 

PINHEIRO

 

Vê o céu nublado e as águas turvas: pensa que é azada ocasião para pescar.

 

ELISA

 

Está feito, é de pescador atilado!

 

PINHEIRO

 

Pode ser um mérito a seus olhos, minha senhora; aos meus é um vício de que o pretendo curar, arrancando-lhe as orelhas.

 

ELISA

 

Jesus! Está com intenções trágicas!

 

PINHEIRO

 

Zombe ou não, há de ser assim.

 

ELISA

 

Mutilado ele, que pretende fazer da mesquinha Desdêmona?

 

PINHEIRO

 

Conduzi-la de novo ao lar paterno.

 

ELISA

 

Mas afinal de contas, meu marido, obriga-me a falar também seriamente.

 

PINHEIRO

 

Que tem a dizer?

 

ELISA

 

Fui tirada há meses da casa de meu pai para ser sua mulher; agora, por um pretexto frívolo, leva-me de novo ao lar paterno. Parece-lhe que eu seja uma casaca que se pode tirar por estar fora da moda?

 

PINHEIRO

 

Não estou para rir, mas digo-lhe que antes fosse uma casaca.

 

ELISA

 

Muito obrigada!

 

PINHEIRO

 

Qual foi a casaca que já me deu cuidados? Porventura quando saio com a minha casaca não vou descansado a respeito dela? Não sei eu perfeitamente que ela não olha complacente para as costas alheias, e fica descansada nas minhas?

 

ELISA

 

Pois me tome por uma casaca. Vê em mim alguns salpicos?

 

PINHEIRO

 

Não, não vejo. Mas vejo a rua cheia de lama e um carro que vai passando; e nestes casos, como não gosto de andar mal asseado, entro em um corredor, com a minha casaca, à espera de que a rua fique desimpedida.

 

ELISA

 

Bem. Vejo que quer a nossa separação temporária... até que passe o carro. Durante esse tempo como pretende andar? Em mangas de camisa?

 

PINHEIRO

 

Durante esse tempo não andarei, ficarei em casa.

 

ELISA

 

Oh! Suspeita por suspeita! Eu não creio nessa reclusão voluntária.

 

PINHEIRO

 

Não crê? E por quê?

 

ELISA

 

Não creio, por mil razões.

 

PINHEIRO

 

Dê-me uma, e fique com as novecentas e noventa e nove.

 

ELISA

 

Posso dar-lhe mais de uma e até todas. A primeira é a simples dificuldade de conter-se entre as quatro paredes desta casa.

 

PINHEIRO

 

Verá que posso.

 

ELISA

 

A segunda é que não deixará de aproveitar o isolamento para ir ao alfaiate provar outras casacas.

 

PINHEIRO

 

Oh!

 

ELISA

 

Para ir ao alfaiate é preciso sair; quero crer que não fará vir o alfaiate à casa.

 

PINHEIRO

 

Conjecturas suas. Reflita, que não está dizendo coisas assisadas. Conhece o amor que lhe tive e lhe tenho, e sabe de que sou capaz. Mas, voltemos ao ponto de partida. Este livro pode nada significar e significar muito. (folheia) Que responde?

 

ELISA

 

Nada.

 

PINHEIRO

 

Oh! Que é isto? É a letra dele.

 

ELISA

 

Não tinha visto.

 

PINHEIRO

 

É talvez uma confidência. Posso ler?

 

ELISA

 

Por que não?

 

PINHEIRO

(lendo)

 

"Se me privas dos teus aromas, ó rosa que foste abrir sobre um rochedo, não podes fazer com que eu te não ame, contemple e abençoe!" Como acha isto?

 

ELISA

 

Não sei.

 

PINHEIRO

 

Não tinha lido?

 

ELISA

(sentando-se)

 

Não.

 

PINHEIRO

 

Sabe quem é esta rosa?

 

ELISA

 

Cuida que serei eu?

 

PINHEIRO

 

Parece. O rochedo sou eu. Aonde o vai desencavar estas figuras.

 

ELISA

 

Foi talvez escrito sem intenção...

 

PINHEIRO

 

Ah! Foi... Ora diga, é bonito isso? Escreveria ele se não houvesse esperanças?

 

ELISA

 

Basta. Tenho ouvido. Não quero continuar a ser alvo de suspeitas. Esta frase é intencional; ele viu as águas turvas... De quem a culpa? Dele ou sua? Se as não houvesse agitado, elas estariam plácidas e transparentes como dantes.

 

PINHEIRO

 

A culpa é minha?

 

ELISA

 

Dirá que não é. Paciência. Juro-lhe que não sou cúmplice nas intenções deste presente.

 

PINHEIRO

 

Jura?

 

ELISA

 

Juro.

 

PINHEIRO

 

Acredito. Dente por dente, Elisa, como na pena de Talião. Aqui tens a minha mão em prova de que esqueço tudo.

 

ELISA

 

Também eu tenho a esquecer e esqueço.

 

 

 

Cena XIII

 

ELISA, PINHEIRO, LULU

 

LULU

 

Bravo! Voltou o bom tempo?

 

PINHEIRO

 

Voltou.

 

LULU

 

Graças a Deus! De que lado soprou o vento?

 

PINHEIRO

 

De ambos os lados.

 

LULU

 

Ora bem!

 

ELISA

 

Pára o carro.

 

LULU

(vai à janela)

 

Vou ver.

 

PINHEIRO

 

Há de ser ele.

 

LULU

(vai à porta)

 

Entre, entre.

 

 

Cena XIV

 

LULU, VENÂNCIO, ELISA, PINHEIRO

 

PINHEIRO

(baixo a Elisa)

 

Poupo-lhe as orelhas, mas hei de tirar desforra.

 

VENÂNCIO

 

Não faltei... Oh! Não foi jantar fora?

 

PINHEIRO

 

Não. A Elisa pediu-me que ficasse...

 

VENÂNCIO

(com uma careta)

 

Muito estimo.

 

PINHEIRO

 

Estima? Pois não é verdade?

 

VENÂNCIO

 

Verdade o quê?

 

PINHEIRO

 

Que tentasse perpetuar as hostilidades entre a potência marido e a potência mulher?

 

VENÂNCIO

 

Não percebo...

 

PINHEIRO

 

Ouvi falar de uma conferência e de umas notas... uma intervenção da sua parte na dissidência de dois estados unidos pela natureza e pela lei; gabaram-me os seus meios diplomáticos, as suas conferências repetidas, e até veio parar às minhas mãos este protocolo, tornado agora inútil, e que eu tenho a honra de depositar em suas mãos.

 

VENÂNCIO

 

Isto não é um protocolo... é um álbum... não tive intenção...

 

PINHEIRO

 

Tivesse ou não, arquive o volume, depois de escrever nele — que a potência Venâncio Alves não entra na santa-aliança.

 

VENÂNCIO

 

Não entra?... mas... creia... A senhora... me fará justiça.

 

ELISA

 

Eu? Eu entrego-lhe as credenciais.

 

LULU

 

Aceite, olhe que deve aceitar.

 

VENÂNCIO

 

Minhas senhoras, Sr. Pinheiro. (sai)

 

TODOS

 

Ah! Ah! Ah!

 

LULU

 

O jantar está na mesa. Vamos celebrar o tratado de paz.

 

 

 

FIM

 

 

 

 

 

 

 



* Esta carta e a resposta de Quintino Bocaiúva foram incluídas por Machado de Assis na 1ª edição de suas peças O caminho da porta e O protocolo, em 1863.